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domingo, 7 de agosto de 2011

"Como conhecer uma vaca"



Quem se lembra? Depois vieram os saquinhos e depois o Tetra Pak

Coisas simples que o homem complica. Parece que ser prolixo faz parte do saber, faz com que pareçamos mais inteligentes. Para alguns é sinal de cultura, pra outros forma de ganhar a vida. Quando na verdade o que importa mesmo é a arte do saber ser simples. É ver a vida sem a necessidade de desconstruir o óbvio.

Em outros tempos ou situações até se poderia entender, meu pai mesmo ao ser perguntado quem dava o leite ele disse que era o "caminhão da vaquinha". Engenhoca utilizada em tempos do século passado onde um tambor acoplado à carroceria de um caminhãozinho armazenava tal líquido e o vertia por uma torneirinha onde se encaixava a boca do litro de vidro ou das leiteiras de plástico ou alumínio da época. Era então vendido o leite espumante que dali jorrava por entre as ruas do bairro, e da cidade.

A vaca então era de metal, e possuia quatro rodas e alguem balançava o sino para avisar que estava no ponto de venda.

Memórias de uma vaca que também conheci e muito leite fui buscar para os bolos e doces que minha avó preparava com maestria.

"Como conhecer uma vaca"

Pequenas reflexões acerca do método e do objeto

Rubem Alves

Meninos e meninas: O tema de nossa aula hoje é a "vaca". A vaca, vocês ainda não sabem o que é, porque essa matéria ainda não foi dada. Somente sabemos os saberes que se encontram nos livros e são dados na sala de aula. É sobre esses saberes que se fazem as avaliações.

Como Descartes mostrou, a coisa mais importante na procura do conhecimento é o "método". Método significa "caminho". Se você pensa que tem um saber, é preciso que saiba o caminho que foi seguido para chegar até ele. O método é o caminho que se deve seguir para chegar a conhecer o objeto que se estuda.

Todo caminho tem um ponto de partida. Qual é o ponto de partida? Devemos começar pelo complexo - o puzzle pronto, montado, ou pelas peças, tomadas uma a uma?

É claro que as peças, tomadas uma a uma, são mais simples de serem compreendidas. É mais fácil compreender os acordes de uma sinfonia, tomados um a um, e os acordes, por sua vez analisados a partir das notas que os compõem, que a sinfonia inteira, de uma vez só. A inteligência procura o simples.

A mesma coisa pode ser dita de uma obra literária. É muito mais científico estudar Grande sertão - veredas a partir das palavras que a compõem - o que pode ser feito com facilidade com a ajuda da gramática e da análise sintática - que compreender a obra inteira. Ela é muito grande, muito complexa...

Esse foi o caminho usado pela ciência moderna. Imagine que a realidade é uma peça de mortadela. O que a ciência fez foi tirar fatias dessa mortadela em cortes verticais, oblíquos, horizontais para compreender o todo. É isso que faz a matemática, mãe de todas as ciências. Ela toma o complexo em suas múltiplas variações e o reduz a fórmulas simples, válidas em todas as situações. Não é isso que fazem a física, a química - que vai em busca das "peças" que compõem esse puzzle chamado realidade -, a astronomia, a biologia?

Aplicando-se isso ao nosso objeto, surge a pergunta: as vacas podem ser vistas em toda a sua infinita complexidade - milhões de partes, encaixes, movimentos, reações - comendo capim pelos pastos. Mas elas, nessas condições, não são objeto de conhecimento pela precisa razão dessa misteriosa complexidade. A complexidade é sempre misteriosa, está além da razão. Temos, então, por exigência do método, de procurar as partes simples da vaca, animal que será conhecido quando essas partes simples forem ajuntadas.

E onde encontramos a vaca em suas partes simples? Nos açougues. O açougue é o lugar onde se vêem, expostas na sua simplicidade, as partes simples das vacas: ossos, costelas, couro, miolo, bofes, fígado, rins, picanha, filé, coxão mole, coxão duro, músculos, lombo, rabo, língua, sem mencionar os chifres, que não são comestíveis.

Estudadas todas as partes da vaca, sua composição, tamanho, peso, conexões, vem então a segunda parte. Como num puzzle: tomam-se as milhares de peças e trata-se de encaixá-las umas nas outras para produzir o todo. O todo é a soma das partes. Da mesma forma, o que há de se fazer agora é tomar todas as partes da vaca e ir costurando cirurgicamente umas nas outras, nos lugares precisos. Ao final desse processo temos, então, reconstituída a vaca na sua totalidade. Compreenderam o método para se conhecer uma vaca?

Um menininho levantou a mão. "Professora: Conheço bem as vacas porque moro numa fazenda. Sou até amigo de uma delas, mansinha... E sei que elas são vacas só de olhar pra elas. Nunca usei o método que a senhora ensinou para conhecer as minhas vacas..."

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