“Tradição (do latim: traditio, tradere = entregar; em grego, na acepção religiosa do termo,
a expressão é paradosis παραδοσις) é a transmissão de práticas ou de valores espirituais de geração em geração, o
conjunto das crenças de um povo, algo que é seguido
conservadoramente e com respeito através das gerações”.
“A tradição e sua presença na sociedade baseiam-se em dois
pressupostos antropológicos: a) as pessoas são mortais; b) a necessidade de haver um
nexo de conhecimento entre as gerações”.
“Os aspectos específicos da tradição devem ser vistos em seus
contextos próprios: tradição cultural, tradição
religiosa, tradição familiar e outras formas de perenizar conceitos,
experiências e práticas entre as gerações. A tradição toma feições peculiares
em cada crença”.
“Vanguarda (deriva
do francês avant-garde) em sentido literal faz referência ao
batalhão militar que precede as tropas em ataque durante uma batalha.
Daí deduz-se que vanguarda é aquilo que "está à frente". Desta forma,
todo aquele que está à frente de algo e, portanto aquele que está à frente do
seu tempo em uma atitude poderia se intitular como pertencente a uma vanguarda”.
“Ousadia -
Atrevimento, audácia. Coragem, temeridade; galhardia”.
Conceitos de
base sócios cultural, que inferem aos Chef’s de Cozinha, títulos ou notoriedade
aos que se destaquem por competência reconhecida e aos que pela falta de são
expostos de maneira diferenciada. Neste
Campo de saber, não importando a chancela de sua formação acadêmica ou de
experiência autodidata, um ponto é básico e imaculado. Refiro-me à “tradição”
dos “clássicos”.
O que temos
então quando estas três situações se encontram na prática de um profissional de
cozinha? Aprendem-se os clássicos, das
cozinhas mais importantes da gastronomia mundial, da francesa, da italiana, da
espanhola, da portuguesa, da judaica e de tantas outras; colocam-se à
disposição as mais modernas técnicas de preparo, transformação através do
cozimento em baixa temperatura, das fermentações de curta e longa duração e dos
fornos de alto desempenho. Ai tem-se os vanguardistas que se despontam pelas
suas ideias de que nada se assemelham as de Colombo, em simplesmente colocar um
ovo em pé, mas invadem os salões com nomenclaturas de desconstrução, de
releitura de reduções e emulsões surreais dentro do universo da gastronomia que
sai das cozinhas e faz uma viagem insólita pelos laboratórios de química. E acompanhando
estas linhas de tendências, algumas que são chamadas até de futuristas
erradamente, pois na década de 70, a Agência Espacial Norte Americana já
aplicava algumas delas no preparo das alimentações de seus astronautas e na
época nem eram denominadas de gastronomia, mas de dieta espacial. E os abusos, onde aparecem? A cada dia, pois alguns destes cozinheiros
perdem a noção dos limites da verdadeira gastronomia e acaba por se perderem no
cenário real das cozinhas mundo a fora.
Combinações nada ortodoxas que não podem fazer parte de um cardápio
convencional acabam se passando por sósias do Chapeleiro Louco do País de
Alice.
Nomenclaturas
de pratos clássicos não podem ser alteradas a título de características de
vanguarda ou de ousadia. Neste caso,
esta aplicação de comportamento é vista como abuso e falta de respeito e
conhecimento.
Interpretar
e dar novas formas utilizando-se dos mesmos ingredientes é uma tendência de
experimentação. Uma ferramenta de aplicabilidade de técnicas modernas de
preparo. Salutar desde que “não
seja citado como o Clássico” que seja apresentada a técnica de
preparo, não omitindo e nem adulterando o nome de origem e seus ingredientes
básicos.
É no mínimo
estranha a forma com que alguns classificam suas apresentações como sendo
clássicos, e com ingredientes adversos e que nem se encontram na região ou na
época do ano em que dizem que prepararam. Descaracterizando a cultura, o
conhecimento e o preparo do prato. Erros
básicos de amadorismo ou de quem quer demonstrar conhecimento e não se preparou
para tal. Na atividade de cozinheiro Chef estes detalhes tem de ser muito bem
monitorados e muito estudados. Ninguém
sabe tudo, mas buscar a informação correta é dever e característica fundamental
de quem se paramenta e esta à frente de uma brigada na área de produção ou
mesmo na área acadêmica como professor.
Quando um
profissional de conhecimentos técnicos se posta a chefiar, principalmente na
gestão de uma casa onde a tradição foi trabalhada ao longo de décadas, e mantém
o sucesso contínuo, o que se espera dentro desta formatação clássica? Postura ética,
respeito à tradição e inovação com toques de vanguarda. Tudo muito bem dosado e
equilibrado. Investigação permanente sobre produtos e processos é fundamental,
não se trata de simples curiosidade. Conhecer ingredientes e seus métodos de
preparo e origens faz deste profissional alguém de respeito e responsabilidade.
Não se pode deixar que a arrogância adquirida e de que pelo fato de possuir uma
certificação de uma chancela se sobreponha aos princípios básicos da cozinha.
Inovar é
mudar sim, mas a essência deve permanecer, há de se manter a assertividade, a
sabedoria e ter o conhecimento da cultura que esta sendo trabalhada. É a
bandeira de uma casa, de uma cozinha seja ela de que nacionalidade for. Não
posso preparar um prato com carneiro ou cordeiro à moda árabe e lançar mão de
um buque garni suave e delicado sem me lembrar das pimentas e de outras
especiarias, não posso preparar uma pasta típica italiana e usar como base uma
farinha de milho; como não posso ser um aventureiro na centenária e tradicional
delicada cozinha japonesa preparando um Missoshiro, e apresentar com queijo
Minas Frescal substituindo o Tofu.
Alguns se confundem
na cozinha, esta condição por terem o poder de comando com a denominação de
cozinha de autor. São situações, linhas de procedimento totalmente
diferenciadas. Gerir e manter tradição, Cozinha de autor e em ambas as
situações ser de vanguarda.
No meu
entender, a formação acadêmica fica á margem destas polêmicas e contraditórias
posturas do mercado gastronômico. Melhor não se comprometer a não esclarecer?
Os acadêmicos deixam seus redutos com aspirações e sonhos, mas a estrada é
longa, a jornada não termina com um simples término de graduação.
Estes jovens cozinheiros se lançam mar a fora
empunhando suas facas “Chef” como espadins ávidos na batalha do mercado, suas dólmãs
como uniformes de guerra mas sem saber a que exército pertencem e seus aventais
são bandeiras sem brasão. Já se consideram Chef’s num ovo que recém eclodiu. E
se julgam que serão reconhecidos pela vanguarda do reconhecimento se mesclar
ingredientes que nunca viram, nunca estudaram e que são caros e exóticos.
Neste mercado
não se empurra um prato a um comensal e se considera o senhor da gastronomia. Como eu afirmei recentemente, serpentina não
é tagliatelle, contestando uma afirmação um tanto estranha aos meus olhos, onde
me foi dito que na nossa área qualquer coisa passa como um “Brassato al Barolo”
(Um clássico da gastronomia italiana). Faltam com o respeito, tornam-se
arrogantes e prepotentes. Deve-se pensar bem antes de dizer algo.
E na
caminhada da cozinha de autor, conhecer os ingredientes é fundamental. É não se
render aos atrativos e comprometedores artifícios de produtores e
patrocinadores. É investigar sim suas origens e seus procedimentos de produção.
Não é simplesmente achar que o produto é esteticamente atrativo ao visual da
finalização de uma apresentação. Alguns
consideram o mix uma criação divina.
Divinamente absurda onde um ingrediente mata o outro no sabor e na
concepção da degustação refinada. Isto denota a falta de paladar apurado do cozinheiro
nos seus preparos. O que acaba por comprometer a chancela que o formou e a casa
que o abriga.
Na prática,
a tal Cozinha de Autor tem de demonstrar a mais alta posição de respeito,
conhecimento, afinidade e amor aos ingredientes que se lista no preparo se seu
prato ou apresentação, como queiram. Se o objetivo é uma comida de raiz
quilombola, mantenha o foco e demonstre que conhece, e sabe o que faz na sua
essência. Se for cozinha francesa, perfeito, use as técnicas, procure os
ingredientes que irão lhe proporcionar um resultado digno de um mestre Escofier. Isto é ser clássico com autoria.
E se vai
preparar tentar preparar um clássico prato de emblema de uma nação, não denigra
a imagem do prato. Na origem isto pode
ser considerado como ofensa. Já vi
vários comentários a respeito de risoto como sendo um prato corriqueiro e o
primeiro que os aprendizes se aventuram a preparar. Ledo engano destes autodidatas
da ignorância, pois técnica e experiência são fatores fundamentais neste
preparo. Assim, não é um pratinho ou um risotinho preparado por um cozinheiro
sem a devida cultura que terá propriedade de falar sobre esta elaboração.
E quando a
vanguarda se faz presente neste contexto? É quando o Chef de cozinha, imbuído
na realização de algo novo e com total demonstração de amor pelo que faz para servir
aos outros, ele cria e desperta nos seus comensais a experiência do novo.
Para isto
ele busca nas suas reminiscências gastronômicas, fatos e sensações vivenciadas
de forma prazerosa buscando e revivendo as experiências olfativas e de seu
paladar para determinar o caminho a ser trabalhado.
Apresentar o
que se conhece como ingredientes de forma a surpreender sejam pela técnica de
cocção, seja pela apresentação, este novo prato vai demonstrar a sua capacidade
de criação, de demonstração da inovação e da técnica de um chef de cozinha.
É exatamente
neste ponto de equilíbrio que o chef deve ter a capacidade de percepção da sua
criatividade e de seus limites. A alquimia da cozinha também tem limites.
Observando
os referenciais da “Nouvelle Cuisine” como marco determinante de padrões de
tendências e a união da “Fusion Cuisine” onde elementos de varias culturas
gastronômicas passaram a integrar a formulação e o preparo de pratos mundo a
fora.
Tendência de
exploração de sabores pode não ser interessante e nem apropriados, para todos
os pratos e ocasiões. Limites devem ser impostos e monitorados um Chef não esta
acima de tudo e de todos. Ele esta ali para gerenciar e para servir bem e
honestamente. Ser um profissional em que o comensal confie e recomende.
Entendo que
a tradição e a vanguarda devam estar sempre em comunicação, e que os abusos
devam ser o ponto focal de análise destas informações.
A ousadia
esta sim na formatação deste perfil. Deve-se ousar na criatividade, na inovação
de técnicas, na busca de ingredientes, temperos e sabores que despertem e que
provoquem as emoções e sensações dos que à sua mesa se sentarem para degustar e
se emocionarem com seus pratos ou apresentações. Mas deve-se ter o limite e a consciência de
que abusar da ousadia pode criar constrangimento. Por vezes o menos é mais e o
mais é a negação do sucesso.
Um chef deve
buscar sempre a personificação de algo não perfeito, mas algo que provoque a admiração. Hipócritas, prepotentes, arrogantes
não são invejados. Cozinha requer simplicidade de alma, comportamento fraternal,
entusiasmo e a sabedoria do aprender. Estar Chef é situação temporária, ela pode
modificar como o clima e situações alternadas pelas intempéries da vida.
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